sábado, 31 de março de 2012

Texto de Paulo Coelho

Disposições gerais:
1 - Em se considerando que
está absolutamente correto o
ditado “tudo vale no amor e na
guerra”;
2 - Em se considerando que na guerra temos a
Convenção de Genebra, adotada em 22 de agosto
de 1864, determinando como os feridos em campo de
batalha devem ser tratados, ao passo que nenhuma
convenção foi promulgada até hoje com relação aos
feridos de amor, que são em muito maior número;
fica decretado que:

Art. 1 - Todos os amantes, de qualquer sexo, ficam
alertados que o amor, além de ser uma bênção, é algo
também extremamente perigoso, imprevisível, capaz de
acarretar danos sérios. Conseqüentemente, quem se propõe
a amar deve saber que está expondo seu corpo e sua alma a
vários tipos de ferimentos, e não poderá culpar seu parceiro
em nenhum momento, já que o risco é o mesmo para ambos.

Art. 2 - Uma vez sendo atingido por uma flecha
perdida do arco de Cupido, deve em seguida solicitar ao
arqueiro que atire a mesma flecha na direção contrária, de
modo a não se submeter ao ferimento conhecido como
“amor não correspondido”. Caso Cupido recuse tal gesto,
a Convenção ora sendo promulgada exige do ferido que
imediatamente retire a flecha do seu coração e a jogue no
lixo. Para conseguir tal feito, deve evitar telefonemas,
mensagens por internet, remessa de flores que terminam sendo devolvidas, ou todo ou qualquer meio de sedução,
já que os mesmos podem dar resultados a curto prazo, mas
sempre terminam dando errado com o passar do tempo.
A Convenção decreta que o ferido deve imediatamente
procurar a companhia de outras pessoas, tentando controlar
o pensamento obsessivo “vale a pena lutar por esta pessoa”.

Art. 3 - Caso o ferimento venha de terceiros, ou
seja, o ser amado interessou-se por alguém que não estava
no roteiro previamente estabelecido, fica expressamente
proibida a vingança. Neste caso, é permitido o uso de
lágrimas até que os olhos sequem, alguns socos na parede
ou no travesseiro, conversas com amigos onde se pode
insultar o(a) antigo(a) companheiro(a), alegar sua completa
falta de gosto, mas sem difamar sua honra. A Convenção
determina que seja também aplicada a regra do Art. 2:
procurar a companhia de outras pessoas, preferivelmente
em lugares diferentes dos freqüentados pela outra parte.

Art. 4 - Em ferimentos leves, aqui classificados
como pequenas traições, paixões fulminantes que não
duram muito, desinteresse sexual passageiro, deve-se
aplicar com generosidade e rapidez o medicamento
chamado Perdão. Uma vez este medicamento aplicado,
não se deve voltar atrás uma só vez, e o tema precisa estar
completamente esquecido, jamais sendo utilizado como
argumento em uma briga ou em um momento de ódio.

Art. 5 - Em todos os ferimentos definitivos,
também chamados “rupturas”, o único medicamento
capaz de fazer efeito chama-se Tempo. Não adianta
procurar consolo em cartomantes (que sempre dizem
que o amor perdido irá voltar), livros românticos (cujo
final é sempre feliz), novelas de TV ou coisas do gênero.
Deve-se sofrer com intensidade, evitando-se por completo
drogas, calmantes, orações para santos. Álcool só é
tolerado em um máximo de dois copos de vinho por dia.

Determinação final: os feridos por amor, ao
contrário dos feridos em conflitos armados, não são
vítimas nem algozes. Escolheram algo que faz parte
da vida, e assim devem encarar a agonia e o êxtase de
sua escolha.
E os que jamais foram feridos por amor, não
poderão nunca dizer: “Vivi”. Porque não viveram.

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